Afinal, quando foi que o homem chegou às Américas?

De maneira geral, a maioria dos cientistas entende que a chegada do homo sapiens ao continente americano se deu a partir do extremo oriente da Ásia, via Estreito de Bering. A maior parte das evidências arqueológicas, linguísticas e genéticas parece convergir para esse entendimento.

A maioria dos sítios arqueológicos mais antigos que acusam a presença humana no continente se encontra na América do Norte. As línguas faladas pelos habitantes autóctones da Sibéria se assemelham às línguas faladas pelos povos nativos do Alasca. Os marcadores genéticos encontrados nas populações do noroeste da Ásia encontram sequência nas populações ameríndias dos Estados Unidos e Canadá

A grande polêmica que envolve a chegada do homem ao continente americano reside na época em que se deu essa chegada.

O fato é que por volta de 25.000 AEC, numa época que os homo sapiens já habitavam grandes extensões da massa de terra correspondente à Eurásia e à África, o planeta enfrentava o Último Máximo Glacial. Foi quando as geleiras se expandiram e atingiram o máximo da sua extensão, numa época em que o nível do mar era cerca de 140 metros mais baixo.

This map shows how the coastlines of the world may have appeared during the  Last Glacial Maximum, around 21,000 years a… | Ice age, Prehistory, Last  glacial maximum

Como consequência, a expansão do gelo acabou criando uma longa e larga ponte de gelo rígido unindo a Sibéria ao Alasca por terra firme. Embora alguns cientistas sugiram que a colonização das Américas possa ter começado por volta de 40.000 AEC, é a partir dessa época do Último Máximo Glacial que a maioria dos cientistas aponta como sendo a época de chegada de grupos asiáticos de caçadores coletores nômades ao continente americano.

Os arqueólogos parecem convergir para o entendimento de que já havia alguma presença humana no continente americano por volta de 15.000 AEC. Nesse sentido segue o consenso formado entre os arqueólogos norte americanos do século XX, o qual indicava que a Cultura Clóvis (surgida no Novo México por volta de 12.000 AEC) teria sido a primeira população a chegar às Américas. Também segue nesse sentido o posterior reconhecimento do sítio de Monte Verde (localizado no Chile e datado por volta de 13.000 AEC), onde foram encontradas evidências robustas que indicam a mais antiga prova da presença humana no continente americano.

Contudo, ao longo das últimas décadas, novos sítios arqueológicos, com datações ainda mais antigas, têm sido encontrados. E os resultados das pesquisas de datações promovidas nesses locais, têm colocado em cheque esse limiar de 15.000 AEC, frequentemente considerado como o começo da colonização humana do continente.

Mas as datações envolvendo os artefatos encontrados nesses sítios mais recentes são pouco consistentes, e por esse motivo são frequentemente rejeitados pelos cientistas mais ortodoxos.

Agora, uma equipe de cientistas encontrou às margens de um lago localizado no White Sands National Park, no estado americano do Novo México, um conjunto de pegadas humanas – pertencentes a crianças e adolescentes – que foram datadas de maneira consistente como tendo sido feitas entre 21.000 e 19.000 AEC.

Footprints at White Sands

Sobre essa descoberta, saiu até uma matéria na Seção de Ciência do site da BBC News (Footprints in New Mexico are oldest evidence of humans in the Americas – BBC News) em 23 de setembro do corrente ano.

A matéria da BBC foi publicada com base em um artigo da Universidade de Bournemouth, do qual Matthew Bennett é autor principal, além de professor de Ciências Geológicas e Ambientais dessa universidade. Sobre a forma como o achado dessas pegadas se liga às polêmicas que envolvem a datação da chegada do homem ao continente americano, ele diz:

Matthew Bennett

“Uma das razões pelas quais há tanto debate é que há uma falta real de dados bastante sólidos e inequívocos. Isso é o que achamos que provavelmente temos agora (sobre as pegadas encontradas).

No final das contas, parece que a arqueologia está, enfim, encontrando evidências consistentes que apontam para a mais antiga prova da presença humana no continente americano.

Tudo indica que essas pegadas encontradas no Novo México vão conseguir cravar na arqueologia a época de 21.000 a 19.000 AEC como a provável época de chegada dos primeiros humanos ao continente americano, época na qual o Último Máximo Glacial ainda sustentava a ponte congelada do Estreito de Bering.

Do ponto de vista das pesquisas genéticas que envolvem a chegada dos seres humanos às Américas, é possível identificar a presença de três marcadores distintos, os quais se associam a três diferentes levas populacionais diferentes, acontecidas em três momentos diferenciados.

A primeira teria acontecido em algum momento próximo a 20.000 AEC, quando o marcador genético que identifica populações com maior quantidade de traços negróides (como lábios e narizes largos) parece surgir. Esse é o caso do sítio Monte Verde, no Chile, e também o caso de Luzia, o fóssil humano mais antigo do continente americano, datado entre 10.500 e 11.000 AEC, encontrado em Minas Gerais.

A identificação desse marcador genético dá sustentação às hipóteses que apontam para a chegada de uma leva migratória diretamente na América do Sul. Essa primeira leva seria composta por grupos que teriam chegado por via marítima, a partir de alguma região localizada na direção da polinésia.

A segunda onda teria se dado por volta de 12.000 AEC e teria introduzido o marcador genético que envolve características como pele avermelhada e ausência de barba nos indivíduos masculinos. Essas características são encontradas tanto nos indivíduos da Cultura Clóvis como na maioria das outras populações nativas do continente americano.

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Por fim, a terceira leva teria acontecido em torno de 3.500 AEC, a qual teria introduzido o marcador genético encontrado entre as populações indígenas do continente norte americano. Esse marcador carrega as características físicas que conecta as populações ameríndias do norte dos Estados Unidos e do Canadá à populações do extremo oriente da Ásia.

esquimó | Britannica Escola

Nesse sentido, a maioria dos linguistas entende que foi justamente por volta dessa época de 3.500 AEC que a hipotética Família Linguística Eurasiática teria dado origem aos grupos linguísticos indo-europeu, urálico e esquimó-aleutiano – esse último falado pelas populações ameríndias dos Estados Unidos e Canadá, o que inclui populações esquimós e inuits.

Segundo esse mesmo conjunto de evidências arqueológicas, genéticas e linguísticas atualmente conhecidas, o lado oriental da América do Sul – exatamente onde hoje se encontra o território brasileiro – teria sido a última região do continente alcançada pelo homem.

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Ancestrais dos tupis teriam atravessado os Andes e alcançando o outro lado da cordilheira em algum momento entre 6.000 e 2.000 AEC. Seus descendentes teriam se instalado nas regiões centrais da região amazônica onde, por volta de 2.000 AEC, teriam introduzido a agricultura e começado a falar uma língua que daria origem ao tronco das línguas faladas pelas populações indígenas brasileiras.

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A história da presença humana no continente americano é longa, complexa e ainda pouco compreendida.  E isso vale tanto para a chegada das primeiras populações de caçadores coletores como para as organizadas civilizações pré-colombianas que floresceram na sequência dos milênios.  

Como as pesquisas arqueológicas e genéticas mais consistentes ainda estão sendo conduzidas, é provável que novas e interessantes evidências descrevendo a saga humana no continente americano não demorem a surgir.

Autor: Angelo Henrique Simões

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Referências bibliográficas:

BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do mundo. Curitiba: Fundamento, 2.015.

CAVALLI-SFORZA, Francesco; Menozzi, Paolo; Piazza, Alberto. The history and geography of human genes. Abridged paperback edition. Princeton: Princeton University Press, 1996.

MAZOYER, Marcel; Roudart, Laurence. História das agriculturas no mundo – do neolítico à crise contemporânea. São Paulo: Editora Unesp, 2.010.

SOUZA, Sheila Mendonça de. Dispersão de Homo sapiens e povoameno dos continentes. In: Fundamentos da paleoparasitologia. Rio de Janeiro: Fiocruz, p. 69–92, 1.991.

Publicado por Angelo Henrique Simoes

Mineiro de Belo Horizonte, comerciante e escritor amador.

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